Uma brincadeira perigosa! - Leia um trecho de "O Sobrado da Rua Velha".


–Vou ensinar uma maneira de enxergar fantasmas – anunciou Sam. – Para fazer isso, basta você colar o rosto em um espelho e olhar dentro daquela bolinha preta dos olhos. Após aguardar um pouco, irão surgir imagens estranhas no reflexo. Se prestar atenção, perceberá que são espíritos.

Ao ouvir aquilo, Pedro também passou a ouvir as batidas do seu coração, que aumentaram a sua frequência de uma maneira espantosa. Ele sacou o motivo de Sam ter lhe trazido no banheiro. Subitamente se sentiu ainda mais desconfortável. Com a mente estimulada, não foi difícil “enxergar” a penumbra do banheiro se tornando uma escuridão quase total. De uma hora para outra, todas aquelas sombras poderiam estar escondendo espectros aterrorizantes. Pedro encolheu-se infantilmente, acuado por seres que sua mente espalhara no ar.

–Você mexe com essas coisas? – perguntou Pedro, apavorado. – Você é mesmo um tonto.
            
–Não fazem mal, a menos que você dê o azar de encontrar algum espírito mau. Que tal arriscar?
           
–Não.
            
–Pedro, eu estou aqui contigo. Não vai acontecer nada. Já cansei de fazer isso sozinho. Daqui uns anos, quando for morrer, vai se arrepender de ter deixado de ver várias coisas por causa desse medo bobo. Deixa de ser medroso.
            
Mesmo morrendo por dentro de tanto pavor, Pedro resolveu aceitar. Ele sempre era convencido por Sam.
            
–Mas primeiro vai você – pôs como condição.
           
Sam olhou para Pedro, estudando-o, e se voltou novamente para o espelho. Piscou algumas vezes, como se estivesse preparando os olhos. Inclinou-se e ficou com o rosto a menos de cinco centímetros do próprio reflexo. Pedro aguardou com angústia. Olhava a imagem refletida do seu primo. Via os olhos dele arregalados diante do espelho. Samuel permanecia em silêncio. Não emitia nenhum ruído. Até mesmo o som que vinha do quarto da irmã mais velha fora desligado, aumentando a quietude. Um minuto se passou. Os olhos de Sam estavam mais arregalados e atentos. Ele realmente parecia estar vendo algo além daquilo que o primo via. Pedro não gostou disso. Não se aguentava mais de curiosidade e medo.
            
–Vê alguma coisa? – perguntou.
           
Sam não disse nada. Continuou impassível na frente do espelho. A mente fértil de Pedro não precisou de muito tempo para formular os motivos daquele estado do primo. Imaginou alguma coisa monstruosa – um zumbi de olhos vermelhos e brilhantes, com a boca escancarada – atrás do primo, aparecendo somente para ele. Viu que os olhos de Sam estavam literalmente grudados na imagem do espelho. Ele parecia uma estátua.
            
–Sam? – disse Pedro, começando a ficar sinceramente preocupado. – Sam?
            
E Sam permaneceu na mesma. Pedro decidiu que não poderia ficar ali parado e deixar de tomar alguma atitude. Iria correndo até o quarto dos pais e pediria ajuda. Mas quando ele finalmente se mexeu, Sam se sobressaltou, dando um salto para trás. Não gritou, todavia, começou a arfar desesperadamente. Pedro teve que conter o grito. Acabou esbarrando na porta do banheiro e machucou o ombro.
            
–Ai! – gemeu ele. – O que aconteceu cara?
           
Sam despertou daquele estado de transe. Olhava para todos os lados, como se esperasse que alguma coisa surgisse do mundo invisível. Acalmou-se. Olhou para Pedro.
           
–Olhe no espelho – disse.
           
Cônscio de que poderia tomar o mais susto de sua vida, mas admitindo que uma estranha dose de curiosidade havia lhe dado coragem, Pedro se dirigiu para frente do espelho, vendo nele um garoto meio ruivo, descabelado e acovardado – nas palavras de Samuel, um verdadeiro frouxo. Aproximou o rosto do espelho. Tinha a face cheia de sardas, e elas eram visíveis mesmo na penumbra. As suas pálpebras tremiam, evidenciando o quanto estava aterrorizado e arrependido. De súbito lhe bateu a vontade de voltar atrás e se esconder debaixo dos cobertores na segurança do seu quarto. Porém, sabia que Sam não iria permitir isso. Sua própria curiosidade não permitiria. Aproximou-se ainda mais, com as sobrancelhas franzidas e o olhar atento. Quando ficou com o rosto praticamente grudado no espelho, começou a olhar diretamente para dentro de sua pupila....

Um comentário:

  1. Grande escolha meu amor... este realmente é um ótimo trecho. Vale a pena saber o que vem pela frente nesta história...;-)

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